HETEROTOPIAS DO ISOLAMENTO
Contar histórias e criar narrativas com lentes de aumento de altíssima resolução é a busca por revelar camadas e amplificar espaços dentro dos espaços dentro dos espaços. Levantar a pele, enxergar por entre suas dobras e rugas e encontrar ao mesmo tempo memória e ficção. Ouvir primeiro para depois falar... Antes de nos isolarmos Sergio Gurgel nos traz imagens de isolamento. Ser idoso no Brasil, no Ceará, em Acopiara e Fortaleza, pode ser viver em isolamento ou ter suas histórias de vida isoladas do cotidiano do humano de faixa etária média, dominador.
Experiências transformadas em folclore, o apelido dado ao tanto de coisa que uma vida carregou. Madalena Cintura Fina, 93 anos, viúva, sempre de preto, acostumada a estar há 42 anos sem dormir, não quer viver por mais de 100, desde pequena tem vontade de morrer. Assim como a outras senhoras, Sérgio a chama de Diva e desenha seu rosto em um objeto de afeto. Assim é como ele chama as peças herdadas de uma arqueologia familiar matriarcal, das senhoras com quem ele conviveu. Juntos, a imagem de Madalena e a mala, formam um “objeto imaculado”, ela com sua história ressignificada e a mala, livre de sua função banal. Pura memória e pura vida, iconografia.
As partes desenhadas com intensas linhas, desses corpos envelhecidos, nos permitem alcançar suas camadas de histórias e afetos e para além disso nos levam a olhar para os nossos próprios corpos. Peles, tecidos, texturas, cavidades, pregas, onde vemos envelhecimento também vemos a pele enrugada de nossa sexualidade, libido, a pequena morte - orgasmo, essa distante de uma demarcação de tempo. O que nos conta o espaço existente entre você e o reflexo da sua imagem em um espelho?
*Quando eu for velho, quando eu for velhinho, bem velhinho. Como seremos, como serei, como será?
Cecília Bedê.