top of page
IMG_1072.jpeg

pressentimento

  O que meu trabalho desenvolve é uma tangente entre ficção e realidade, a prática cotidiana de espionagem do envelhecimento. Seja de objetos ou pessoas, investigo suas sobreposições e camadas relacionáveis. 

 

  O resgate de sua função pessoal se dá na manipulação e na perícia do objeto encontrado. Seus rastros e marcas sinalizam uma narrativa desconexa e atemporal. Há uma busca e um deslocamento de matéria física e afetiva do objeto silencioso, que apavora diante do seu próprio confinamento.

 

  Objeto / indivíduo em seu constante envelhecimento vivem hoje numa espécie de limbo que tento acessar. Desde a industrialização o velho foi limado do tempo-espaço por não ser mais produtivo, ja nas culturas antigas era sacralizado. Assim o velho tende a estar no “não lugar”, onde a materialidade não basta e os Indivíduos e seus pertences estabelecem um diálogo contínuo e permanente. Nesta relação, comungam o esquecimento e não fogem do ciclo do tempo.

 

  O velho, assim como seus objetos, é trânsito entre vida e morte. Um lugar e existência onde a memória semântica e a memória episódica se confundem e se fundem a múltiplas narrativas. Lugar  onde materialidade não basta.

 

  Trabalho por essas vias como passo por portas abertas, mas quero chegar na gaveta e nos guarda-roupas. Objetos embalsamados, violados e esquecidos, distanciados do seu uso e função, livres do seu desejo inicial. Esses que foram ressignificados pelo tempo de forma acidental ou consciente, mas retirados das vistas e do convívio com o mundo. Assim se relacionando com a sua única verdade: a verdade e a ideia de quem os usou.

 

  Meu trabalho é uma edição, um recorte na narrativa óbvia que é bem menor que a narrativa do próprio recorte-objeto. O objeto não é puro, pois já o encontro maculado. Do lugar da indiferença, levo ao lugar da diferença.  A sua óbvia imagem é uma existência grotesca onde cada materialidade é capaz de se auto narrar, com seus atributos anacrônicos visíveis e sólidos como num amuleto, não lido com cores.

 

  Para o tempo, as cores passam e o que fica são as cinzas e o cinza. O cinza no meu trabalho é necessário por ser o intervalo da luz e sombra, começo e fim, vida e morte. Ícones realistas viram rótulo, uma colagem. Camadas e dimensões relacionáveis com seu substrato, o objeto. A técnica que aplico em pintura é já utilizada por Ticiano e Leonardo da Vinci. A Grisaille era o inicio da pintura clássica para subsequentes veladuras de cor. Uso-a não como inicio nem como fim, mas como intenção de estar entre o realismo e a realidade. O cinza é o não pertencimento.

 

  Produzo no sistema do heterotópico. Neste outro espaço que Foucault identifica. Num lugar onde as condições não são hegemônicas e possuem múltiplas camadas de significado. O resultado buscado é o espelho. A distância do que nos reflete baliza a realidade e a não-realidade. Essa alteridade que meu trabalho agita é que desenha o resultado final. A própria condição da nossa materialidade finita. Relações que aproximam e distanciam do real o nosso reflexo. O conflito-objeto se estabelece nessa junção individual e social. Desafia a interdependência entre imagem e simulacro. Assim o que vemos e o que nos vê nos forma.

 

  Meu trabalho é o funeral de uma ideia dada, é a materialidade de objetos que trazem em si memórias já esquecidas ou guardadas, o velho abandonado ou escondido.

Sérgio Gurgel.

IMG_1022.jpeg
bottom of page